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Migalhas – Artigo: Revisitando a proposta legislativa da desjudicialização da execução civil – Por Joel Dias Figueira Júnior

Em novembro de 2019, a Senadora Soraya Thronicke apresentou ao Parlamento o Projeto de Lei da desjudicialização da execução civil (PL 6.204/19) em sintonia com a Agenda 2030-ONU-ODS e, por conseguinte, com a Meta 9 do Poder Judiciário, objetivando, em síntese, a) oferecer aos jurisdicionados um procedimento mais ágil e qualificado a ser conduzido pelos tabeliães de protesto  – sabidamente os únicos delegatários afeitos aos títulos de créditos e documentos afins e com atribuição privativa  por determinação legal – (Lei 8.935/94, art. 11 e Lei 9.492/97, art. 3º); b) reduzir sensivelmente e de maneira gradativa o elevado número de demandas executivas e cumprimentos de sentenças condenatórias que tramitam perante o Estado-juiz (aproximadamente 14mi = 18% de todo o acervo)1; c) reduzir, por conseguinte, as despesas do poder público atinentes aos processos judiciais (aprox.. R$ 65 bi); d) recuperar mais rapidamente os créditos representados por títulos líquidos, certos e exigíveis, o que se efetiva por meio da técnica do protesto prévio necessário2; e) por conseguinte, fomentar a economia com a recuperação de milhões de créditos represados em dívidas não pagas.

Sem sombra de dúvida, trata-se de um dos mais importantes projetos que atualmente tramita no Congresso Nacional, assim considerado em razão dos impactos que serão sentidos de ordem social, econômica, política e jurídica.

Aliás, não é por menos que há praticamente dois anos o tema da desjudicialização da execução civil tornou-se o centro das atenções do mundo jurídico, acadêmico e institucional, fazendo-se presente em inúmeros congressos nacionais, internacionais, seminários e centenas de “lives” e  “webinar”, nada obstante os tempos difíceis vividos em decorrência da pandemia causada pelo COVID-19.

Também não faltaram reflexões jurídicas que desaguaram em artigos publicados em periódicos físicos e eletrônicos,3 coletâneas de estudos,4 TCC, dissertações de mestrado, teses de doutorado e trabalhos de pós-doutoramento, de maneira a oferecer elementos substanciais para a divulgação a respeito do fenômeno global da desjudicialização5 e consolidar o entendimento acerca da importância da redefinição dos contornos do processo de execução no Brasil, a exemplo do que já se verificou, com êxito, em diversos países do continente europeu (v.g. Portugal e França).

Por seu turno, o Poder Judiciário não só definiu a prevenção de conflitos e a desjudicialização como Meta de gestão, em sintonia com a Agenda 2030, como também o Conselho Nacional de Justiça, por iniciativa de seu Presidente, Ministro Luiz Fux, instituiu o Grupo de Trabalho para estudos voltados a “contribuir com a modernização e efetividade da atuação do Poder Judiciário nos processos de execução e cumprimento de sentença, excluídas as execuções fiscais”6 objetivando diagnosticar, avaliar e apresentar medidas voltadas à modernização e efetividade de atuação do Poder Judiciário, encontrando-se em pauta dentre outros assuntos, a desjusicialização e o PL 6.204/19.

Comprometida com o tema da desjudidialização, recentemente a Senadora Soraya Thronicke criou um grupo de trabalho – o qual temos a honra de integrar – para aprimorar e desenvolver estudos a esse respeito, com o escopo de apresentar possíveis soluções para minimizar a crise em que se encontra mergulhada há décadas a jurisdição estatal.7

Por outro lado, em razão da pandemia, praticamente todos os projetos de lei em curso no Parlamento deixaram de tramitar e somente agora os trabalhos começam a normalizar gradativamente, o que deu ensejo à definição da relatoria do PL 6.204/19, que foi conferida no mês passado ao Senador Marcos Rogério, encontrando-se em fase de estudos para elaboração de Nota por parte da Consultoria Legislativa do Senado Federal a ser encaminhada ao Relator para os devidos encaminhamentos subsequentes.

Muito temos debatido e refletido acerca da desjudicialização e, no que concerne ao PL 6.204/19 alguns pontos estão a merecer “revisitação” para, quiçá, aprimorar-se o texto original em busca de melhores resultados práticos quando da entrada em vigor do então novel diploma.

Vejamos então alguns pontos destacados:

  1. Da representação das partes:

Dispõe o art. 2º do PL que “o exequente será representado por advogado em todos os atos, respeitadas as regras processuais gerais e do processo de execução, inclusive para a fixação da verba honorária.”

Percebe-se que o texto não faz referência à representação do executado, podendo dar azo à eventual dúvida indesejada. Destarte, o legislador disse menos do que pretendia, pois pelo princípio da igualdade entre as partes, paridade de armas e do contraditório, o executado haverá de ser também representado por advogado em qualquer fase do procedimento extrajudicial.

Assim, para que dúvidas não pairem, seria de bom alvitre ajustar-se o texto primitivo assentando que “as partes serão representadas” por advogado.

Redação sugerida: Art. 2º.  “As partes serão representadas por advogado em todos os atos, respeitadas as regras processuais gerais e do processo de execução, inclusive para a fixação da verba honorária”.

  1. Atribuições do agente de execução:

Assim está redigido o art. 4º, in verbis: “Art. 4º. Incumbe ao agente de execução: (…) X – encaminhar ao juízo competente as dúvidas suscitadas pelas partes ou terceiros em casos de decisões não reconsideradas.”

Ao nosso sentir, o texto poderia ser aperfeiçoado de maneira a adequar-se melhor à realidade forense, na medida em que surgirão não apenas “dúvidas”, mas também questões representativas de irresignações das partes ou até mesmo de possíveis terceiros interessados.

Redação sugerida: “Art. 4º Incumbe ao agente de execução: (…) X – encaminhar ao juízo competente as dúvidas ou questões suscitadas pelas partes ou terceiros em casos de decisões não reconsideradas.

  1. Justiça gratuita e princípio da sucumbência:

Dispõe o art. 5º, in verbis: “Art. 5º O beneficiário de gratuidade da justiça, quando da apresentação do título, requererá ao agente de execução que o pagamento dos emolumentos seja realizado somente após o recebimento do crédito executado.”

Parece-nos que se faz mister complementar o texto para aclarar e sintonizar a regra definida no dispositivo com o princípio da sucumbência e, em particular, para evidenciar que, em hipótese alguma, o credor beneficiário da gratuidade arcará com as custas, despesas ou emolumentos para a obtenção do seu crédito, pois ficará às expensas do devedor.

Redação sugerida: “Art. 5º. O beneficiário de gratuidade da justiça, quando da apresentação do título, requererá ao agente de execução que o pagamento dos emolumentos seja realizado somente após o recebimento do crédito executado, às expensas do devedor.”

  1. Dos títulos executivos e da facultatividade procedimental extrajudicial

Assim está redigido o art. 6º, in verbis: “Art. 6º. Os títulos executivos judiciais e extrajudiciais representativos de obrigação de pagar quantia líquida, certa, exigível e previamente protestados, serão apresentados ao agente de execução por iniciativa do credor. Parágrafo único: São inadmissíveis obrigações sujeitas a termo ou condição ainda não verificada.”

Primeiramente, o cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar alimentos, mesmo em se tratando de alimentando capaz, exige tratamento procedimental diversificado, seja pela natureza da verba cobrada, seja pelas diversas especificidades que envolvem essas questões, notadamente a possibilidade de prisão do devedor recalcitrante.

Seria interessante excepcionar no “caput” do art. 6º, que a regra a ser observada nas hipóteses desse jaez é a do art. 528 e segs. do CPC, de maneira a realizar-se o cumprimento de sentença tão somente perante o Estado-juiz.

O segundo ponto a ser afrontado respeita ao delicado tema do acesso ao agente de execução, o que se dá de forma absoluta (não facultativa), formatado com base nos modelos alienígenas exitosos (v.g. Portugal e França).

A este respeito escrevemos recentemente sobre o tema8, oportunidade em que salientamos inexistir qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade9 acerca da opção feita pelo legislador ao direcionar o processo extrajudicial exclusivamente ao tabelião de protestos,10 tratando-se de escolha baseada em razões suficientemente hábeis a respaldar tal definição.11

No citado estudo, elencamos 12 fundamentos que bem justificam a opção do legislador pela obrigatoriedade procedimental extrajudicial e suas respectivas vantagens; não deixamos também de considerar que a “facultatividade procedimental” poderia trazer consigo outras vantagens, em especial se considerarmos a realidade que se apresenta de forma distintas num País de dimensões continentais. Queiramos ou não, cada um dos modelos em questão traz consigo vantagens e desvantagens que não são desconhecidas e não merecem ser desconsideradas – assim como toda moeda tem anverso e reverso…

Por isso, pensamos na implementação paulatina do procedimento extrajudicial, com um período de transição legislativa, a começar pela facultatividade até atingir o momento final da obrigatoriedade em todo o território nacional. Parece-nos que esta haveria de ser a melhor escolha a ser seguida pelo legislador; como dissemos, nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

De outra banda, a facultatividade procedimental por iniciativa do credor amolda-se de forma mais palatável ao contexto histórico brasileiro da desjudicialização, que se perfaz com a ativa e exitosa participação dos delegatários extrajudiciais (CF. art. 236), iniciada há 17 anos com a Lei 10.931/04 que instituiu a retificação do registro imobiliário sem a atuação do Poder Judiciário, seguindo-se a edição de tantas outras, tais como: inventário, separação e divórcio (Lei 11.441/07), retificação de registro civil (Lei 13.484/17) e usucapião instituída pelo Código de 2015 (art. 1.071 – LRP, art. 216-A).

Soma-se o reconhecimento de filiação socioafetiva (Provimento CNJ 63, de 14 de novembro de 2017 com alteração pelo Provimento CNJ 83, de 14 de agosto de 2019), mudança de nome e de sexo para transgênero (Provimento CNJ 73, de 28 de junho de 2018); homologação de penhor legal (art. 703 do Código de Processo Civil – CPC); consignação em pagamento (art. 539 do Código de Processo Civil – CPC); dispensa judicial para a habilitação de casamento, salvo se houver impugnação (art. 1.526 do Código Civil) etc.

Em síntese, não se pode contestar que a história é reveladora de resultados excelentes com o modelo da desjudicialização facultativa; por outro lado, não desconhecemos ou deixamos de considerar as vantagens que aportam também com o sistema da obrigatoriedade procedimental extrajudicial proposta no texto originário do PL 6.204/19.

Desta feita, talvez se afigure mais prudente, num primeiro momento, implementar o modelo da facultatividade e, se for o caso, mais adiante, transmudar para a obrigatoriedade, se assim vier a demonstrar a boa prática com a satisfação dos jurisdicionados.

Redação sugerida: “Art. 6º. Os títulos executivos judiciais, exceto os que reconheçam a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos e os extrajudiciais representativos de obrigação de pagar quantia líquida, certa, exigível e previamente protestados, serão apresentados por iniciativa do credor, facultativamente, ao agente de execução ou ao juiz competente. Parágrafo único: São inadmissíveis obrigações sujeitas a termo ou condição ainda não verificada.”

  1. Do juízo competente

Dispõe o art. 7º, in verbis: “Art. 7º. As execuções de títulos executivos extrajudiciais serão processadas perante os tabelionatos do foro do domicílio do devedor; os títulos executivos judiciais serão processados no tabelionato de protesto do foro do juízo sentenciante. Parágrafo único: Nas comarcas dotadas de mais de um tabelionato de protesto, serão observados na distribuição os critérios de qualidade e quantidade, nos termos do disposto no art. 8º, da Lei 9.492, de 10 de setembro de 1997.”

Percebe-se que a regra definida no “caput” do art. 7º em exame não está sintonizada com as disposições contidas no Código de Processo Civil acerca da competência para a execução de títulos extrajudiciais (art. 781) e de títulos judiciais (art. 516).

Portanto, é aconselhável que se conformem as regras de competência do CPC com o procedimento executivo desjudicializado, até por que assim é a orientação apontada no art. 1º do próprio PL.

Também é interessante que se inclua disposição que acene para a impossibilidade de cisão das vias de execução dos créditos perseguidos, quando fundadas em título único, seja no tocante ao principal ou acessório.

Em outros termos, nada obstante a facultatividade procedimental, sinaliza-se ao credor a impossibilidade de fazer uso das duas vias procedimentais (judicial e extrajudicial).

Redação sugerida: “Art. 7º. As execuções de títulos executivos judiciais e extrajudiciais serão processadas perante os tabelionatos de protesto do juízo competente, aplicando-se, no que couber, o disposto nos arts. 516 e 781 do Código de Processo Civil. Parágrafo Primeiro: Nas comarcas dotadas de mais de um tabelionato de protesto, serão observados na distribuição os critérios de qualidade e quantidade, nos termos do disposto no art. 8º, da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997; Parágrafo segundo: A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará na execução integral da quantia referida no título e demais acessórios perante o agente de execução ou o juiz competente.

  1. Do requerimento inicial

Assim está redigido o art. 8º do PL: “Art. 8º. O credor apresentará ao agente de execução requerimento inicial observando os requisitos do art. 798, da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, e comprovará o recolhimento dos emolumentos prévios, salvo se beneficiário da gratuidade.”

O requerimento inicial formulado perante o agente de execução haverá de observar não somente os requisitos elencados no art. 798 do CPC como também do art. 799 do mesmo Diploma Legal.

Importante também a inserção de disposição acerca da atuação do Conselho Nacional de Justiça no que concerne a definição da possibilidade de pagamento postergado de emolumentos, acréscimos legais e demais despesas, devidos pela apresentação de títulos ou outros documentos de dívida para protesto, a exemplo do que assenta o Provimento 86/19 do CNJ.

Redação sugerida: “Art. 8º. O credor apresentará ao agente de execução requerimento inicial observando os requisitos dos arts. 798 e 799, da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, e comprovará o recolhimento dos emolumentos prévios, salvo se beneficiário da gratuidade. Parágrafo único: O Conselho Nacional de Justiça disporá sobre a possibilidade de pagamento postergado de emolumentos, acréscimos legais e demais despesas, devidos pela apresentação de títulos ou outros documentos de dívida para protesto.”

  1. Do acesso ao juiz competente em razão do cancelamento do pedido inicial

Assim está redigido o Art. 9º do PL, in verbis: “Art. 9º.  O agente de execução, ao verificar que o requerimento inicial não preenche os requisitos legais ou que apresenta defeitos, irregularidades ou está desacompanhado dos documentos indispensáveis à propositura da execução, determinará que o credor efetue as correções necessárias, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, sob pena de cancelamento do requerimento.”

Quanto ao ato de cancelamento do requerimento inicial formulado pelo credor o PL é omisso acerca do mecanismo de acesso ao juiz competente, diante e eventual irresignação do credor.  É bem verdade que o art. 21, § 1º do PL dispõe que se o agente de execução não reconsiderar a sua decisão, deverá encaminhar a suscitação ao juiz competente.

Contudo, para que dúvidas não pairem, no caso de cancelamento do pedido inicial (“indeferimento da inicial”), é de boa índole que o projeto apresente regras claras e bem definidas para que o exequente apresente ao Estado-juiz competente o seu inconformismo e postule a reversão do ato decisório praticado pelo agente de execução, a fim de ver prosseguir o seu pedido executivo extrajudicialmente.

Redação sugerida (acrescentar parágrafo único): “Parágrafo único: No prazo de 15 (quinze) dias do cancelamento do pedido inicial, o credor poderá requerer ao juiz competente que conheça da matéria e determine o prosseguimento extrajudicial da execução.”

  1. Das despesas

Dispõe o art. 13 do PL, in verbis: “Antes de adjudicados ou alienados os bens, o executado pode, a todo tempo, remir a execução, pagando ou consignando a importância atualizada da dívida, acrescida de juros, correção monetária, honorários advocatícios e emolumentos.”

Infere-se da Lei 9.492/97 que define a competência e regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida, especificamente do art. 19 que trata do “pagamento”, que o valor atinente a quitação será igual ao declarado pelo apresentante, acrescido dos emolumentos e demais despesas.

Na mesma linha o art. 16 quando trata da desistência e sustação do protesto, ao dispor que “antes da lavratura do protesto, poderá o apresentante retirar o título ou documento de dívida, pagos os emolumentos e demais despesas“.

De outra banda, o art. 37 da Lei do Protesto quando trata dos “emolumentos” dispõe no § 1º que “poderá ser exigido depósito prévio dos emolumentos e demais despesas devidas, caso em que, igual importância deverá ser reembolsada ao apresentante por ocasião da prestação de contas, quando ressarcidas pelo devedor no Tabelionato.”

Vale também lembrar que o mesmo binômio (“emolumentos e demais despesas”) aparece igualmente repetido e destacado já no preâmbulo do Provimento 86/19 do CNJ, que versa sobre a “possibilidade de pagamento postergado de emolumentos, acréscimos legais e demais despesas, devidos pela apresentação de títulos ou outros documentos de dívida para protesto”

Portanto, o texto primitivo do art. 13 do PL 6.204/19 está a exigir essa correção de maneira a harmonizar a proposta legislativa com a Lei de Regência, a fim de inibir dúvidas futuras a respeito do tema. Vale dizer ainda que, dependendo da lei local, as “demais despesas” podem estar relacionadas aos impostos sobre serviços, percentuais destinados aos tribunais, defensorias públicas etc.

A expressão “demais despesas” a ser acrescida à parte final do art. 13 do PL 6.204/19 passa a manter simetria com a legislação específica sobre a matéria além de contemplar a preservação das singularidades identificadas em cada Estado.

Redação sugerida: “Art. 13. Antes de adjudicados ou alienados os bens, o executado pode, a todo tempo, remir a execução, pagando ou consignando a importância atualizada da dívida, acrescida de juros, correção monetária, honorários advocatícios, emolumentos e demais despesas.”

  1. Do procedimento da execução de título judicial e a relevância do protesto necessário

Assim está redigido o art. 14 do PL, in verbis: “Art. 14. Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário da quantia definida em sentença condenatória e não apresentada impugnação, o credor requererá a instauração do procedimento executivo perante o tabelionato de protesto, apresentando certidão de trânsito em julgado e teor da decisão que demonstre a certeza, a liquidez e a exigibilidade, além da certidão de protesto do título.”

De início, verifica-se que o texto deixa transparecer, equivocadamente, ao utilizar a conjunção aditiva “e” que o cumprimento de sentença perante o agente de execução fica na dependência do não pagamento voluntário da quantia definida em sentença condenatória “e” na ausência de impugnação.

O não pagamento e o não oferecimento de impugnação são situações distintas, ou seja, não inclusivas, pois convivem de maneira independente, tendo em vista a possibilidade de ocorrência de uma ou de outra hipótese. Por essa razão, deve ser substituída a conjunção “e” pela conjunção alternativa “ou”.

A modificação proposta também realça a facultatividade conferida pelo microssistema ao credor em optar pela via extrajudicial ou judicial para cumprimento do julgado, assim como reforça a importância e necessidade do protesto da sentença condenatória, como técnica de inibição da recalcitrância e recuperação mais eficiente do crédito perseguido pelo credor.

Assim, afina-se neste ponto o Projeto com o disposto no art. 517 do CPC, que, nos dizeres do Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins e do Juiz Auxiliar da Presidência, Alexandre Chini, em estudo recentemente publicado, trata-se de regra desjudicializante, em que o protesto extrajudicial aparece, modernamente, “como o autêntico veículo oficial de recuperação de crédito no Brasil ao prevenir a instauração de litígios em larga escala e propiciar a satisfação de direitos em tempo reduzido”12. Mais adiante prosseguem: “Quando de nossa passagem pela Corregedoria Nacional de Justiça, ao apresentarmos as metas e as diretrizes estratégicas que iriam nortear a atuação de todas as corregedorias do Poder Judiciário brasileiro ao longo do ano de 2020, em especial no que se refere às serventias extrajudiciais, tivemos a oportunidade de propor, como diretriz estratégica, a regulamentação do protesto extrajudicial das decisões transitadas em julgado e o incentivo à sua utilização (Justiça Estadual, Justiça Federal e Justiça do Trabalho).

“A diretriz guarda relação de estrita aderência com o macrodesafio da adoção de soluções alternativas de conflito e visa aumentar a efetividade das decisões judiciais e desafogar o Poder Judiciário em todo o território nacional.  Na verdade, essa já era uma tendência administrativa que vinha se consolidando desde 2017, quando o Colégio Permanente de Corregedores-Gerais de Justiça do Brasil – CCOGE, reunido em Belo Horizonte, durante o 75º ENCOGE, discutiu a temática “A Corregedoria, o Planejamento Estratégico e a Gestão na Justiça de Primeira Instância” e deliberou, em face dos temas analisados, sobre “a adoção do protesto extrajudicial de sentença para a satisfação rápida, eficaz e econômica de obrigações reconhecidas judicialmente, visando à redução do acervo processual de execução.

“Entretanto não é só. Na programação de encerramento do II Fórum Nacional das Corregedorias (FONACOR), realizado em 9/10/2019, os corregedores brasileiros aprovaram a Carta de Brasília, com deliberações acerca dos assuntos debatidos em torno da temática ”PJeCor, inspeções, extrajudicial e procedimentos disciplinares”. Com efeito, de acordo com referidas deliberações, as Corregedorias-Gerais de todos os tribunais do País se comprometeram a “(7) incentivar a adoção do protesto extrajudicial de sentença”.13

Por essas razões, cumpre destacar e reafirmar a importância do protesto necessário do título executivo judicial no PL 6.204/19.

Redação sugerida: “Art. 14. Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário da quantia definida em sentença condenatória ou não apresentada impugnação, após protestado o título judicial, é facultado ao credor prosseguir com o cumprimento de sentença ou requerer a instauração do procedimento executivo perante o tabelionato de protesto, apresentando certidão de trânsito em julgado e teor da decisão que demonstre a certeza, a liquidez e a exigibilidade, além da certidão de protesto do título.”

  1. Da sucumbência

Dispõe o art. 16 do PL, in verbis: “Art. 16. Pago ao exequente o principal, os juros, a correção monetária, os honorários advocatícios e os emolumentos, a importância que eventualmente sobejar será restituída ao executado.”

Assim como ocorreu com a redação do art. 13, o art. 16 deixou de mencionar as “demais despesas” que haverão de ser arcadas pelo sucumbente.  Portanto, são as mesmas as razões já apontadas anteriormente para justificar a necessidade de acréscimo da expressão, motivo pelo qual deixamos de repeti-las neste ponto.

Redação sugerida: “Art. 16. Pago ao exequente o principal, os juros, a correção monetária, os honorários advocatícios, os emolumentos e demais despesas, a importância que eventualmente sobejar será restituída ao executado.”

  1. Incorreção da penhora ou avaliação

Dispõe o art. 19 do PL, in verbis: “A incorreção da penhora ou da avaliação poderá ser impugnada por requerimento ao agente de execução, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da ciência do ato, ficando suspenso o prazo para o oferecimento de embargos à execução até a intimação da decisão.”

Percebe-se que a redação do art. 19 não está bem afinada com as disposições do CPC a respeito do tema no tocante a distinção e identificação das situações de penhora incorreta ou a avaliação errônea, bem como a forma e o tempo para o interessado afrontar a matéria, ou seja, em sede de embargos à execução (art. 917, inc. II) ou impugnação por petição simples, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da ciência do ato.

Redação sugerida: “Art. 19. A incorreção da penhora ou da avaliação verificada após o prazo para oferecimento de embargos do devedor, poderá ser impugnada por requerimento ao agente de execução, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da ciência do ato.”

  1. Das impugnações às decisões do agente de execução e do juiz competente

Assim está redigido o art. 21 do PL, “in verbis: “Art. 21. As decisões do agente de execução que forem suscetíveis de causar prejuízo às partes poderão ser impugnadas por suscitação de dúvida perante o próprio agente, no prazo de cinco (5) dias que, por sua vez, poderá reconsiderá-las no mesmo prazo.” § 1º Caso não reconsidere a decisão, o agente de execução encaminhará a suscitação de dúvida formulada pelo interessado para o juízo competente e dará ciência à parte contrária para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentar manifestação diretamente ao juízo. § 2º. A decisão que julgar a suscitação a que se refere este artigo será irrecorrível.”

Verifica-se, de plano, que o legislador tomou o cuidado de usar a expressão “suscitação de dúvida” para manter a pertinência com à Lei de Regência; porém, assim procedendo, trouxe à tona alguns questionamentos que poderiam ser evitados, sobretudo a respeito de eventual competência de juízo especializado em matéria de Registros Públicos (o que não é o caso) ou se a questão trazida a lume não envolver “dúvida”, mas simples inconformismo das partes ou de terceiros interessados.

Ademais, a natureza jurídica da “suscitação de dúvida” é distinta do “pedido de reconsideração” de que trata o artigo em exame.

Por essas razões, seria conveniente substituir-se a “suscitação de dúvida” por “petição”.

Outro ponto que merece destaque respeita a opção do legislador pela irrecorribilidade da decisão do juiz a respeito das matérias levadas ao seu conhecimento pelas partes ou pelo agente de execução.

Por óbvio que a intenção do legislador em optar pela não recorribilidade destas decisões judiciais está fundada nos princípios da razoável duração do processo, da celeridade, da satisfatividade e efetividade, especialmente se levarmos em consideração que estamos diante de procedimento em que a pretensão (insatisfeita) está baseada em título líquido, certo e exigível e, em se tratando de cumprimento de sentença, o exequente já trilhou a via crucis do processo de conhecimento para a obtenção de condenação do réu em determinada quantia.

Ocorre que o próprio Código de Processo Civil, art. 1.015, parágrafo único, admite expressamente a interposição de agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença e no processo de execução.

Assim, por estarmos diante de um procedimento extrajudicial executivo cuja regência se dá com base no Código Instrumental (PL, art. 1º, caput), há de se manter a simetria com o microssistema da desjudicialização.

Redação sugerida: “Art. 21. As decisões do agente de execução que forem suscetíveis de causar prejuízo às partes poderão ser impugnadas por petição incidental perante o próprio agente, no prazo de cinco (5) dias que, por sua vez, poderá reconsiderá-las no mesmo prazo. § 1º Caso não reconsidere a decisão, o agente de execução encaminhará a petição formulada pelo interessado ao juízo competente e dará ciência à parte contrária para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentar manifestação diretamente ao juízo. § 2º Da decisão que julgar o incidente, caberá agravo de instrumento.

  1. Da atuação do Conselho Nacional de Justiça

Assim dispõe o art. 29 do PL, in verbis: “O Conselho Nacional de Justiça deverá disponibilizar aos agentes de execução acesso a todos os termos, acordos e convênios fixados com o Poder Judiciário para consulta de informações, denominada de “base de dados mínima obrigatória”.

Apropriado seria acrescentar-se ao disposto em análise a  orientação normativa no sentido de que o Conselho Nacional de Justiça haverá de promover a integração eletrônica dos sistemas dos agentes de execução ao seu sistema, de modo a viabilizar a perfeita prática dos atos, sua publicidade e formalização dos atos de constrição, sejam eles eletrônicos ou não.

Tal previsão afigura-se de suma importância no momento em que se faz a migração ampla dos sistemas processuais para a plataforma eletrônica, não podendo ficar de fora desta realidade os agentes de execução, sob pena de colocar-se em xeque o êxito da tão decantada desjudicialização da execução civil, e, por conseguinte, a própria Meta 9 do Poder Judiciário.

Redação sugerida: Art. 29. O Conselho Nacional de justiça promoverá: I – a disponibilização aos agentes de execução de acesso a todos os termos, acordos e convênios fixados com o Poder Judiciário para consulta de informações, denominada de “base de dados mínima obrigatória”; II – a integração eletrônica dos sistemas dos agentes de execução ao seu sistema, de modo a viabilizar a perfeita prática dos atos, sua publicidade e formalização dos atos de constrição, sejam eles eletrônicos ou não.

A reflexão que trazemos a respeito do aprimoramento do texto do PL 6.204/19 vai ao encontro de outras tantas ideias bem intencionadas e fundamentadas que, ao fim e ao cabo, podem ser acolhidas pelo legislador, sem que percamos de vista a dimensão da constante imperfeição de toda obra humana.

A breve revisitação ao texto proposto, em nosso sentir, em nada reduz a magnitude da proposta legislativa da desjudicialização da execução civil, da qual participamos em sua fase embrionária e continuamos firmes buscando a sua aprovação no Parlamento. Vale registrar que o esboço inicial foi aprimorado e absorvido de corpo e alma pela brilhante Advogada e mui digna Senadora da República, Soraya Thronicke, que de forma corajosa, desde o início, aceitou o desafio de romper paradigmas e dogmas vetustos do processo civil brasileiro em prol dos consumidores do direito e da tentativa de minimização da crise da jurisdição estatal.

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1 Há muito o Conselho nacional de Justiça denomina o problema do excesso de demandas executivas de “gargalo” do Judiciário (cf. Justiça em Números).

2 Segundo dados oficiais publicados pela ANOREG-BR em seu anuário “Cartório em Números”, em torno de 68% dos títulos levados à protesto são satisfeitos.

3 V. Migalhas, Conjur, portais jurídicos, Revista de Processo, dentre outros.

4 Merece destaque a obra intitulada Reflexões sobre a desjudicialização da execução civil” (coletânea coord. Elias Medeiros Neto e Flávia Ribeiro). Curitiba: Juruá Editora, 2020.

5 Sobre o tema, v. Arruda Alvim e Joel Dias Figueira Júnior, “O fenômeno global da desjudicialização, o PL 6.204/19 e a Agenda 2030/ONU-ODS” (Migalhas 4.979, 16/11/20; Conjur, 30/11/20 e Revista Justiça e Cidadania, n. 245/32-34, jan/21).

6 Temos a honra de integrar o seleto grupo de juristas que é presidido pelo Min. Marco Aurério Bellizze e composto pelos Conselheiros Rubens de Mendonça Canuto Neto e Candice Lavocat Galvão Jobim, Marcus Lívio Gomes, Secretário Especial de Programas Pesquisas e Gestão Estratégica do Conselho Nacional de Justiça; Trícia Navarro Xavier Cabral, Juíza Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça; Dorotheo Barbosa Neto, Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça; Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região; Theophilo Antonio Miguel Filho, Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região; Teresa Arruda Alvim, Advogada; José Roberto dos Santos Bedaque, Advogado; Paulo Henrique dos Santos Lucon, Advogado; Heitor Sica, Advogado; Marcelo Abelha Rodrigues, Advogado; Márcio Carvalho Faria, Advogado; José Augusto Garcia de Souza, Defensor Público no Rio de Janeiro; Flávia Pereira Hill, Oficial Titular; Cristiana Do Amaral Cantídio, Tabeliã e Oficial de Registros Públicos; Antônio Adonias Aguiar Bastos, Advogado; Victor T. Nepomuceno, Advogado (Portarias ns. 272/20, 285/20, 6/21, 42/21 e 50/21).

7 O Grupo é coordenado pelo Dr. Victor Nepomuceno, Secretário Parlamentar, conta com a nossa participação e dos Drs. Luciano Timm, Marcelo Guedes, Rodrigo Fux, Fernando Meneguin, Jairo Procianoy, Luciana Yeung e Thomas Conti.

8 V. Arruda Alvim e Joel Dias Figueira Jr. “Do procedimento extrajudicial e o acesso ao agente de execução no PL 6.204/19: anverso e reverso” (Migalhas n. 5.117, 8/6/21).

9 Sobre esse tema, v. Joel Dias Figueira Jr., estudo intitulado “Da constitucionalidade da execução civil extrajudicial – análise dogmática do PL 6.204/2019″ (in Reflexões sobre a desjudicialização da execução civil. Coletânea de estudos, coord. Elias Medeiros Neto e Flávia Ribeiro. Curitiba, Juruá, 2020, pp. 517/544).

10 O art. 1º, parágrafo único do PL 6.204/19 excepciona algumas hipóteses em razão da qualidade das partes interessadas, in verbis:”Não poderão ser partes, na execução extrajudicial instituída por esta Lei, o incapaz, o condenado preso ou internado, as pessoas jurídicas de direito público, a massa falida e o insolvente civil”.

11 Esse é também o modelo absorvido no PL 3.999/19, de autoria do Deputado Federal Ugo Leal, que dispõe sobre o despejo extrajudicial e a consignação extrajudicial de chaves, e para tanto altera a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, segundo se infere da redação contida no art. 2º, ao inserir o art. 66-B na lei de locações, in verbis: “Art. 66-B. A fim de promover o despejo extrajudicial, o locador requererá ao Tabelião do Ofício de Notas situado na comarca do imóvel locado, que lavre ata notarial, na qual deverá constar cada fase do procedimento a seguir descrito.”

12 “Os efeitos desjudicializantes do art. 517 do Novo Código de Processo Civil”. O CPC de 2015 visto pelo STJ  (Coord. Teresa Alvim, Sérgio Kukina et al.) São Paulo: Editora RT, 2021.

13 Idem, ibidem.

Joel Dias Figueira Júnior

Pós-doutor pela Università degli Studi di Firenze e Doutor pela PUC/SP. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil e do IBDP; Professor de Cursos de Pós-graduação do CESUSC; foi Presidente da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto de lei que deu origem ao PL 6.204/19; integrou a Comissão Especial de Assessoria da Relatoria-Geral do Código Civil na Câmara dos Deputados. Membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem-CBAr. Desembargador aposentado do TJSC, Advogado, Parecerista e Consultor Jurídico.

Fonte: Migalhas

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